Engenhos de farinha um patrimônio cultural da Ilha de Santa Catarina

O cheiro de fumaça se mistura ao da farinha torrando no enorme forno a lenha, enquanto o polvilho sobe pelo ar e gruda nos cabelos, na roupa, nos cílios e se deposita nos caibros do teto e no chão batido do antigo engenho. O fogo aquece o ambiente que, no dia anterior, tinha o calor e a conversa das mulheres raspando mandioca para a farinhada. Quantas vezes essa cena ainda irá se repetir? O que está sendo feito para que a produção artesanal de farinha de mandioca não morra? Felizmente, a realidade mostra que não chegamos ao fim do caminho.

Aos 93 anos, o carpinteiro aposentado Jacob Cordeiro Heidenreich peneira paciente e silenciosamente a massa de mandioca, no engenho da família, localizado no Alto Ribeirão, no Sul da Ilha de Santa Catarina. De cuia em cuia, ele leva a massa saída do cevador até o cocho de madeira para peneirar e deixar a farinha pronta para ir ao forno. Com jeito calmo e reservado, Jacob fala sobre a atividade. “O engenho pertenceu ao meu avô, que veio da Alemanha para fugir da guerra. Tinha o de farinha movido a boi e outro de cana de açúcar, há mais de cem anos”, diz. “Depois, passou para meu pai e, há cerca de 50 anos, foi transferido e remontado aqui atrás da casa da família]”, conta.

A maioria dos equipamentos ainda é daquela época. O forno é obra do mestre de engenho Alberto Silvano Lúcio, o seo Bertinho da Tapera, 89 anos; a prensa veio de outro produtor na Grande Florianópolis e as rodas que giram as correias do motor foram feitas pelo próprio Jacob. Após a remontagem e com energia elétrica disponível, o engenho passou a funcionar com motor. “É muito mais fácil, não tem o trabalho de cangar os bois e trazer até o engenho, e demora menos para fornear a farinha”,diz o filho de Jacob, o engenheiro agrônomo João José Heidenreich, 36 anos.

Apaixonado pela produção artesanal dos engenhos, é João quem se encarrega das farinhadas, ao lado do pai, da mãe de pessoas da comunidade que vêm ajudar. “Desde pequeno eu já estava no engenho, brincava e ajudava a capinar a roça de mandioca. A gente produzia tanto que guardava a farinha no paiol e vendíamos em sacas de 10 quilos. Hoje, fazemos em torno de 300 quilos por ano, em embalagens de um ou dois quilos”,conta João. O dia a dia nos velhos galpões de chão batido foi essencial para o aprendizado. E João aprendeu tão bem que participa de tudo, desde o plantio até a etapa final, que é fornear a farinha. “A primeira fornada é a que demora mais, cerca de 40 minutos. As seguintes, com o forno já quente, levam de 20 a 25 minutos”, explica. Mas não é pelo relógio que João controla o tempo; ele reconhece o ponto ideal do produto pelo cheiro, como seu pai.

Todos os resíduos da produção são reaproveitados: folhas, restos da mandioca, cascas e caroços são usados para alimentar o gado e as galinhas, e as cinzas do forno são misturadas ao esterco para adubar a terra. As ramas arrancadas são replantadas em 30 a 60 dias, recomeçando a roça que leva dois anos até a colheita.Atualmente, a produção é feita em duas etapas. No primeiro dia faz-se a raspagem da casca, a mandioca é lavada, moída no cevador e colocada em sacos de aniagem (que substituíram os tipitis) nas prensas para extrair a água.  De tempos em tempos, João gira o fuso e aperta a massa um pouco mais, deixando descansar até o dia seguinte.

Na segunda fase, a massa é retirada da prensa, vai para o cevador e passa pela peneira para tirar a carueira (caroços). A farinha então é levada ao forno, depois descansa por mais dois dias para esfriar e secar completamente e está pronta para o consumo. Ali, é vendida a R$ 8 o quilo. A vivência trouxe ainda o conhecimento sobre as variedades de mandioca ou aipim mais adequados a diferentes tipos de solo. “A rama que plantamos está ficando fraca e a outra dá uma raiz grossa, difícil de arrancar e mais adequada para plantio em morros”, explica João. Por isso, ele já comprou uma variedade mais adequada ao solo arenoso da propriedade.

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