Se virar lei a proposta aprovada pelos deputados federais que permite a empresas comprarem vacina contra a covid-19 sem aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), quem seria o responsável por eventuais efeitos colaterais prejudiciais desses produtos.
As próprias empresas — que poderiam ser responsabilizadas judicialmente —, segundo a avaliação do ex-procurador-geral do trabalho Ronaldo Fleury, em entrevista à BBC News Brasil.
"Essas empresas, na medida em que assumem para si uma imunização de trabalhadores para permitir seu funcionamento, assumem o risco de eventuais eventos adversos", disse o subprocurador-geral do trabalho.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) estuda se, caso a lei seja aprovada, uma eventual recusa do trabalhador a tomar uma vacina sem aprovação da Anvisa poderia, no limite, gerar demissão por justa causa.
A permissão para que empresas privadas comprem doses de vacina contra a covid-19 mesmo sem aval da Anvisa foi aprovada com grande margem de votos na Câmara (317 votos a favor do texto-base e 120 contra) e, agora, está nas mãos do Senado. Se for aprovada sem alterações, segue para sanção do presidente — a mudança na lei conta com apoio do governo Bolsonaro.
Hoje, já está em vigor no Brasil uma lei que autoriza a compra de vacinas pelo setor privado, mas ela exige que as doses sejam totalmente doadas ao sistema público de saúde enquanto estiver em vigor a vacinação de grupos prioritários. Somente após a conclusão desta etapa, as empresas poderão ficar com metade das doses adquiridas para aplicação em seus funcionários, a outra metade fica com o SUS.
Agora, o projeto em discussão permite que as empresas comecem logo sua própria vacinação, desde que repassem metade das doses ao SUS. (A BBC News Brasil perguntou ao Ministério da Saúde e à Anvisa se o SUS poderia aplicar vacinas que não passaram pelo aval da agência reguladora, mas não obteve resposta.)
É por causa desse trecho do projeto que uma das principais críticas é a de que ele permite que as pessoas vacinadas por essas empresas "furem a fila" prevista no calendário do Programa Nacional de Imunização (PNI).
Vacina sem aprovação no Brasil
Outro ponto importante do texto é que ele permite que as empresas comprem, individualmente ou em consórcio, vacinas que não necessariamente tiveram aval da Anvisa, desde que tenham sido autorizadas "por qualquer autoridade sanitária estrangeira reconhecida e certificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS)".
Com a busca intensa por vacinas contra a covid por governos do mundo inteiro, diversas empresas vêm afirmando que neste momento não negociam fornecimento para empresas privadas.
Em nota com os nomes das empresas AstraZeneca, Butantan, Janssen e Pfizer, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) informou que "nenhuma empresa ou pessoa física está autorizada a negociar em nome destas empresas fabricantes de vacinas contra a Covid-19 com nenhum ente público ou privado, seja direta ou indiretamente".
As vacinas Covaxin (Índia) e Sputnik V (Rússia) estão entre as que ainda não têm autorização para uso no Brasil.
Em março, a diretoria da Anvisa negou, por unanimidade, autorização para importação de 20 milhões de doses da Covaxin. Na ocasião, a agência reguladora negou certificação depois de inspeção de boas práticas de fabricação na fabricante Bharat Biotech. A BBC News Brasil não conseguiu contato com a Precisa Medicamentos, que representa a Covaxin no país.